domingo, 13 de maio de 2007

Relato

Eu voltei pra minha terra e a esperança que eu tinha era de que tudo tinha mudado pra melhor. Quando eu cheguei não havia mais peixes pra pescar, pois os maiores tinham derrubado o mar, feito dele um depósito de lixo, onde parecia que tinha mais poluição do que água. E os peixes? Aonde eu estava todos eram todos tão lindos, vivendo numa harmonia que qualquer um notaria. Aqui nem sei se eles existem mais, tenho a ilusão de que eles talvez tenham migrado para o mar leste, ou até mesmo para onde eu estava, e quem sabe um dia possam voltar pra sua casa, não só sua, como de mais muitos outros seres que o bicho homem insiste em deixar evaporar. O cheiro antes era de mar aberto, o odor de peixe na sua pele, cabelo, roupa, e apesar de tudo era agradável, aquele cheiro da natureza se expandindo pelos arredores. Hoje o cheiro que eu sinto é de fumaça, não aquelas de fogueiras de São João e de acampamentos que a gente ta acostumado a sentir aqui, mas aquela fumaça asquerosa, com cheiro de plástico queimado que é produzida por aqueles canudos gigantes, e o que dizem é que serve para fazer coisas que no futuro virão pro nosso bem, pelo menos é o que dizem por aqui, mas eu não sei não. E é incrível o poder que os maiores tem de mudar tudo de uma hora pra outra, fazer com que uma simples aldeia de pescadores vire uma floresta, mas não de árvores como as outras, e sim de canudos gigantes. As nossas barracas deram lugar à casarões feios, parecidos com um mini shopin center, daqueles que a gente vê na cidade quando vai ao mercado.

O que eu penso agora é que do jeito que as coisas andam, daqui a alguns anos os moradores da cidade, sim meu amigo, aqueles que vêm pra cá em busca de refúgio ou apenas pra comprar do nosso delicioso peixe, não poderão mais fazer isso, serão humanos limitados ao que a cidade insiste em lhes proporcionar.

Até agora eu não pensei no que vai ser de mim, afinal, tudo o que deixei aqui parece ter se deslocado, mudado de lugar. O que eu vou pescar? Latinhas pra dar de comer aos robôs? Porque é só isso que agora tem no mar. E pra que serve essa montoeira de lixo espalhada no meio de um oceano? Se a gente não vai pescar e nem re-utilizar? Servem para, mais uma vez, destruir o que a natureza implantou. É desgastante ver no seu anzol um pedaço de plástico preso, um sapato, uma lata de cerveja. Da próxima vez botarei um imã ao invés de colocar a minhoca para ver se atraio algum pedaço de ferro que me seja útil, porque peixe eu vejo que não dá.

Encontrei um antigo companheiro de pescadas que costumava dirigir um barco com aparência de fraco mas muito poderoso, cara de boa, sempre disposto a ajudar os outros, com aquele bigode de homem trabalhador, batizado Jurandir, mas tinha algo errado, Jurandir não estava com aquelas vestimentas rudes, típicas de seu cotidiano, no lugar vestia um macacão cinzento com umas logomarcas que na hora não consegui identificar. Perguntei o que estava acontecendo, pois tudo estava diferente, e o que mais me cutucava era o fato de não ter encontrado meus outros companheiros pescadores. A resposta dele foi curta e objetiva, disse que ia em direção a um local chamado “indústria de cosméticos de santa luzia”, que estava atrasado pois o estavam esperando, jogou o vasilhame com os restos de almoço no mar, sim no mar, quem diria, e saiu às pressas. Só depois disso entendi o agravamento da situação, essa tal indústria era o nome dado aos canudos gigantes, e todos os pescadores que residiam nas antigas barracas hoje são trabalhadores remunerados com um salário mínimo, que era a única coisa que agora a aldeia lhes proporcionava, ah, e não posso mais chamá-la de aldeia, até novo nome deram, agora é “Complexo Industrial de Santa Luzia”.

O que mais me revolta é saber que todos assistiram isso acontecer de perto e nada fizeram, o pior também é saber que eu estou sujeito a esse mesmo futuro indesejável que acaba sendo o mesmo para todos os moradores das aldeias por aí existentes. Que culpa tenho eu? Era um simples pescador que depois de uns dias dentro do mar em busca de mais uma vitória naquele oceano, queria apenas levar o meu peixe, me alimentar e alimentar outras famílias também. O destino aprontou uma comigo e me levou à um local totalmente desconhecido, uma ilha, foi, eu naufraguei. Passei 6 anos vivendo de água de coco, carne de um animal que nunca soube o nome, plantas que eu nem sabia a origem e, pra piorar, sozinho. Aprendi muitas coisas comigo mesmo, aprendi a me conhecer, a dar valor ao que a natureza nos proporciona. E quando finalmente me encontraram, achei que veria aqui um mundo novo mas não com os costumes tão modificados, que estaria toda a aldeia me esperando, teriam bailes, rezas, agradecimentos, perguntas, respostas. O que eu encontrei foi um mundo mais desconhecido do que eu vi quando cheguei àquela ilha, irreconhecível até para os olhos de quem está acostumado com tudo isso. Eu tinha muitas perguntas, mas ninguém sabia me responder. Os bailes eram denominados boates. As rezas deixaram de ser diárias para se tornarem anual. Agradecimentos? À quem?. Penso que seria melhor eu ter ficado lá até os últimos dias da minha vida, pelo menos o meu destino seria diferente do das milhares de pessoas que convivem com essa trajetória mal feita do destino. Morreria feliz por saber que tudo estava bem, pelo menos a ilusão ia me proporcionar algo fantasioso e prazeroso, que é o que eu não encontro agora. E os grandes se acham num local tão elevado que mal sabem eles que são os que mais perdem, perdem a sabedoria que eles tanto prezam ao levar a vida por valores imorais, acabando com a vida de qualquer um que não se submeta aos seus gostos e prazeres, querem brincar de ser deus e dessa brincadeira eles entendem. E o que resta aos desprivilegiados de tal poder? Serem seus brinquedos, pois são tão poderosos que são realmente capazes de mudar tudo em uma fração de segundos.

Sabe o que eu sinto em relação a tudo isso? Nojo dos grandes por terem a cabeça entupida de pensamentos irracionais, e tristeza pelo destino dos que estão obrigados a conviver com a inconseqüência destes outros.

4 comentários:

Julia Vaz disse...

eu lembro desse,foi no da época do da música...

as fábricas e as indústrias cospem no ambiente e acaba cuspindo em nós mesmos,enquanto a natureza fica observando calada,esperando chegar o seu limite pra virar o jogo tão legal do tabuleiro.

acho q ainda não sabemos ou n queremos saber que os reis podem vir a sofrer um xeque mate.

Mayra disse...

por isso que alguns ainda preferem ficar com os olhos fechados.. e estamos aqui, exatamente, para abri-los! gostei muito =*

Yasmin Facchinetti disse...

caramba, ficou irado demais esse texto! achei tãao bom! :D
E o pior é que os poderosos acham que são os melhores, mais inteligentes... só se for na visão deles mesmos..

Yves Bastos disse...

eu fico me perguntando..
como essas pessoas podem viver consigo mesmas.. sabendo que não tão tendo o mínimo de respeito com a natureza nem com o resto da população... aquela, que lá no fundo, ainda tem um pingo de esperança...